quarta-feira, 29 de junho de 2016

BANCÁRIO OU ATIRADOR DE BANCOS?



            Meus pais sempre foram loucos por carnaval. Minha mãe principalmente. Em um carnaval desses, ela havia determinado não participar dessa festa, até receber um telefonema de uma tia minha que é outra foliã de peso da família. Ao desligar o telefone, ela disse para minha avó:
            -Mãe, vou ali volto já!
            Eu só sei que ela só voltou desse “ali” na quarta-feira de cinzas.
            Mas o carnaval em questão é “mais emocionante”. Nesse, ela já estava casada com o meu pai e os dois decidiram colocar uma barraca lá no Carmo, exatamente no foco do carnaval de Olinda. Dois casais tomariam conta dessa barraca, meus pais era um deles e o outro era Charles e Gal (companheiros de farras). A barraca estava organizada, tinha comes, bebes e contava também com um atendimento de primeira qualidade.
            Não é nada fácil tomar conta de uma barraca no carnaval de Olinda. Mesmo quem está vendendo, acaba aqui ou ali saltitando os passos do frevo e com toda essa performance, o trabalho se torna mais cansativo do que qualquer outro. O descanso também era bem administrado entre eles. Eu não sei por qual razão, os homens foram dormir na mesma hora e deixaram as respectivas esposas no trabalho pesado. Charles deitou em uma esteira próxima à barraca e meu pai dormiu em uma Kombi de um amigo nosso que também estava estacionada por perto.
            Vendo que a barraca estava sendo administrada por apenas duas belas jovens, um camarada que aparentava já ter tomado todas, chegou e ficou olhando para minha mãe. Prontamente ela o perguntou:
            -O que o senhor deseja?
            -Uma batida.
            -Certo! Dê uma olhadinha no nosso cardápio. Temos batidas de vários sabores.
        O camarada que chegou solitário, demonstrou não estar interessando em batida alguma, certamente, o objetivo dele era encontrar o famoso amor de carnaval. Respondeu para minha mãe sem nem ao menos olhar para o cardápio:
            -Quero uma batida que tenha o seu nome!
            Nesse exato momento, Charles acordou e ainda meio sonolento, percebeu o teor da provocação. Deu um pulo da esteira e gritou:
            -Fred, acorda Fred! Olha o engraçadinho cantando tua mulher!
          Meu pai nessa época trabalhava no Banco do Brasil, mas no carnaval de Olinda, nesse momento,sem pestanejar caracterizou-se de “atirador de bancos”. Ele levantou-se disposto, pegou o primeiro banco que viu pela frente e correu atrás do camarada para lhe acertar a cabeça. Ainda bem que o homem correu mais rápido e meu pai não conseguiu alcançá-lo. No outro dia, meu pai chegou à barraca primeiro que minha mãe. Ela ficou organizando algumas coisas em casa.  Preocupado com o assédio que minha mãe sofrera no dia anterior, ele ficou bastante pensativo na tentativa de buscar uma solução para controlar o assanhamento dos homens. Escreveu um bilhete e pediu que Charles o entregasse lá em casa. O pedaço de papel escrito dizia o seguinte: “Keyla: Venha de calça comprida e frouxa!”. Minha mãe, aproveitou o verso do bilhete e escreveu sua resposta: “Mande o dinheiro para eu comprar esta fantasia de palhaço!”
Ele ficou abusado! Não queria mais saber de descanso em Kombi e ficava o tempo todo servindo de guarda-costas para minha mãe (Kevin Costner perdeu feio para a atuação do meu pai nesse carnaval, em questão segurança). Nunca mais painho repetiu a ousadia de colocar uma barraca no carnaval de Olinda. Preferiu ficar trabalhando no Banco (do Brasil) a ser atirador de bancos. 

segunda-feira, 27 de junho de 2016

FREDÍSSIMO

Eu e painho.
Hoje é o aniversário do meu pai, o senhor Fred Beltrão, mas eu o parabenizo a cada respirar. Sou sua primeira filha e uma filha que foi muito desejada, vale ressaltar. Fez de mim uma criança muito feliz. Fui uma forte candidata a ser uma criatura insuportável, pois recebi não somente dele, mas de toda a família, muitos mimos (ainda recebo até hoje, rsrs). Tudo chegou para mim de uma maneira muito fácil. Não precisava espernear, bastava apenas dizer o que queria que em pouquíssimo tempo meu desejo era realizado.
Graças a Deus souberam me criar de maneira realista, foram me moldando para ser uma criatura sensata, pé no chão. Meus pais sempre me mostraram a realidade das coisas: “Te damos o que você quer porque podemos te dar, mas não sabemos nada sobre o amanhã. Talvez um dia não possamos satisfazer seus gostos e você terá que se conformar com isso. À mesa sempre têm as comidas que você gosta, mas se algum dia só tiver farinha e água, coma satisfeita e ainda agradeça a Deus, pois tem muita gente que vive dessa maneira. Seja humilde!”. Esses são alguns pequenos exemplos da educação que tive em casa.
Tive do meu pai uma cobrança escolar muito rigorosa. Ele era extremo, me preparava não somente para superar a média das notas, mas para ser a melhor da turma. Se eu chegasse com uma nota vermelha, não levantava a mão para me bater, ele nunca utilizou esse recurso, mas suas palavras faziam minhas lágrimas caírem de três em três. Me incentivava a escrever, muito. Dizia que dessa forma eu aprenderia de maneira mais eficiente os conteúdos passados pelos professores: “Não espere que seu professor anote algo no quadro, enquanto ele explica vá fazendo suas anotações no caderno, isso te dará agilidade na escrita e aumentará o potencial do seu raciocínio”.
Como qualquer criança, tive meus momentos de lazer. Me levava com frequência à pizzarias, shoppings, praias, parques. Enfrentou uma multidão comigo na “corcunda”, num show do grupo musical “Menudo”, porque esse era o meu sonho (eu tinha uns cinco anos nessa época). Minha mãe dizia:
-Fred, você é louco de levar Sylvinha para um evento desses? A casa de show estará lotada, com certeza! Vai levá-la mesmo assim?
-Vou! Ela quer ir, não quer?! Então ela vai!
 Foi até para um show da Xuxa (mesmo sem gostar), na Ilha do Retiro, para satisfazer meus caprichos. Me colocou num curso de inglês e se matriculou também, só para poder conversar comigo nesse idioma e saber se eu estava me dando bem nessa língua estrangeira.
Entretanto, ganhava dele passeios que muitas crianças nunca tiveram. Desde muito pequena, ele me levava semanalmente para bibliotecas e livrarias. A “Livro 7” (uma livraria que era um mundo de tão grande), era o meu passeio de todos os sábados. E ele saía de lá carregando uma sacola pesada dos livros que eu escolhia, porém, cheio de orgulho: “Tenho uma filha leitora!”. Se por um acaso eu quisesse algum livro que não tivesse disponível na Livro 7? Naquela época não tinha a facilidade disponibilizada pela internet de comprarmos um livro diante de um computador e depois de poucos dias recebermos em nossa casa. Painho corria tudo quanto era livraria, mas chegava com o livro e com um sorriso radiante. Eu estudava no colégio mais caro de Olinda e houve um momento que ele passou por um sério problema financeiro.
Isso foi capaz de bagunçar toda a sua vida, menos os meus estudos. Meu pai passou o ano inteiro acumulando as mensalidades do colégio, sem poder pagar, no final do ano foi lá negociar a dívida mais o valor da renovação da matrícula. Criou uma imensa bola de neve em débitos, contudo não cogitou a possibilidade de me transferir para uma escola de menor valor. Justificava que enquanto vida tivesse, poderia passar fome, mas me daria sempre a melhor educação escolar. Essa teimosia ele sempre teve e ninguém o convencia do contrário (nem convence, pois ele continua fazendo exatamente tudo do mesmo jeitinho com minhas duas irmãs).
O mundo deu suas mirabolantes voltas e eu pude mostrar para meu pai o quanto tudo isso foi muito válido. Sei o tamanho do orgulho que ele nutre por mim, hoje não sou apenas a leitora que ele citava tanto na minha época de infância, sou também escritora. Quando meu livro estava prontinho, ele foi comigo buscar lá na editora. Estava mais feliz que eu, muito emocionado. Uma cena impossível de ser esquecida. Painho me chama de “Talismã” e justifica a origem desse apelido dizendo que eu lhe trago sorte. Mas não sabe ele que essa “sorte” que lhe trago é reflexo do exemplo que ele sempre foi em minha vida. São poucos os homens que exercem o verdadeiro papel de pai. Sou extremamente feliz por poder bater no peito e falar com um orgulho danado: Meu pai está nesse meio!    
Painho, quero que entendas que seu “Talismã” foi feito e lapidado por você. Se você não tivesse me dado o seu brilho, eu seria um pedaço de pedra qualquer, sem valor algum. Muito obrigada, muito obrigada mesmo! Eu te amo imensamente. Seja feliz! Que os anjos do Senhor acampem ao teu redor e te protejam sempre. Estarei na tua torcida.


                                           Um beijão do teu talismã: Sylvinha.

domingo, 26 de junho de 2016

A COBRA DE BIU


Eu era recém-nascida e enquanto minha mãe me amamentava, a cozinheira gritou:
-Uma cobra!
Minha mãe nada respondeu, pois ficou imaginando que deveria ser uma cobra pequena, dessas de duas cabeças. Como a cozinheira não viu manifestação alguma da parte de mainha, reforçou o grito:
-Socorro!!!! Uma cobra!!!!
Do quarto, minha mãe ordenou:
-Mate!
-É muito grande!!! Eu tenho medo!!!
Foi o jeito mainha interromper a amamentação e se dirigir à cozinha. Realmente, a cobra era grande, grossa e até bonita a danada: um verde fluorescente que chamava atenção e ela rastejava-se tranquilamente, pelo meio da cozinha.
-De onde veio essa cobra? – Perguntou mainha.
-Ela entrou pela janela, desceu pelo caldeirão que estava sobre o fogão (que se localizava embaixo da janela) e foi descendo, descendo, descendo...
Estavam somente as duas em casa e nessas horas de aflição, as mulheres só lembram-se dos homens para prestarem um socorro. Lembraram primeiramente de Biu.
Biu era um senhor de aproximadamente quarenta anos, que tinha um fiteiro em frente à nossa casa. O detalhe que não pode deixar de ser citado, é que Biu vivia 24 horas por dia alcoolizado. Seu maior hobbie era tomar cachaça com uma talhada de doce. O mesmo foi convocado pela minha avó paterna que vinha chegando nesse momento de agonia.
Enquanto isso, minha mãe e a cozinheira preparavam suas armas: vassouras, paus, facões, enfim, tudo que tivesse ao alcance e pudesse servir para matar uma cobra de grande porte. Nisso, volta minha avó acompanhada do corajoso Biu, que logo foi pegando a vassoura para matar esse bicho peçonhento, só que em seu estado ébrio, sempre batia a vassoura no chão do lado contrário à cobra. Certamente ele estava vendo mais de uma.
E o pior é que ele vestia um calção de nylon, bastante folgado nas pernas, de maneira tal que quando ele se abaixava no intuito de matar a cobra, percebia-se claramente que ele não estava usando cueca. Foi quando todas perceberam que de fato, não havia apenas uma cobra na cena, entretanto todas as mulheres eram extremamente tímidas e não comentaram nada a respeito.
Enfim, a cobra (verde fluorescente, é bom deixar isso bem claro) acabou entrando embaixo da geladeira. Aí sim complicou a situação, porque Biu, coitado, abaixava-se mais ainda na tentativa de agarrá-la. Por fim, deixou a vassoura de lado e foi pegar a bendita cobra com a mão. Aí veio o grito:
-Peguei!!! Peguei ela pelo “pescoço”!
A situação ficou mais confusa ainda. Cobra com pescoço?
Mas ele não foi muito feliz, a cobra lhe picou na mão. Também pudera né?! Foi pegar a cobra logo pelo “pescoço”...
Daí começaram a gritar:
-Leva Biu para o Hospital!
Mesmo depois de mordido, ele não soltava a cobra. Dizendo que só soltaria em um terreno baldio, a caminho do Hospital. Assim foi feito. Depois do atendimento médico ele voltou são e salvo. O melhor de tudo foi quando ao entardecer, a minha avó materna chegou para nos visitar, minha mãe estava ocupada e chamou minha outra avó para que narrasse o fato ocorrido. Quando ela começou a descrever a cobra, foi de uma maneira tão estranha, que minha mãe em dúvida perguntou-lhe:
-Qual das duas cobras a senhora está se referindo: A verde ou a de Biu?
-E você também viu a cobra de Biu, foi?!
-Todo mundo viu.
E a gargalhada foi geral.


(Dedico esse texto especialmente para
a minha "Frô" querida: Cynthia Araújo).

sábado, 25 de junho de 2016

O TIRO

Minha mãe precisava de uma pessoa para ajudá-la nos afazeres domésticos. Iniciou-se então uma busca. Uma conhecida dela, recomendou muitíssimo bem uma figura muito exótica. Para começo de conversa, ela costumava lavar os pratos do jantar durante a exibição do Jornal Nacional, de maneira apressada e vez por outra ia à sala perguntar se já tinha passado o “temporal” (previsão do tempo).
Certa vez, mainha perguntou-lhe o porquê dela se preocupar tanto com o “temporal”, afinal ela nunca parava seus afazeres para assistir a este telejornal. Ela explicou-lhe e “muito bem explicado” o seguinte: “Sabe o que é patroa? É porque quando passa o ‘temporal’, já está perto de terminar o jornal e eu não posso perder a novela”. Isso já caracteriza bem o tipo da figura.
Um belo dia, enquanto ela preparava o jantar, mainha descansava um pouco em seu quarto. Um detalhe interessante, é que só tinham elas duas dentro de casa e de repente, mainha ouviu um forte estampido: “Peeeeeeeei!!!!!!!!”. Ela levantou-se apressadamente para se apropriar do que havia acontecido. Ao chegar à sala, a figura começou a gritar:
-Foi um tiro! Foi um tiro! Foi um tiroooo!!!!!
-Um tiro? – Perguntou mainha assustada.
-Sim, e foi aqui na sala!
E continuou dizendo com toda a certeza desse mundo, apontando para o sofá:
-Foi exatamente aqui o tiro!
-Mainha olhava para o sofá e não via nenhum furo de bala, nem tampouco na parede. E continuou a perguntar:
        -Cadê a bala?       
Ela alteradamente, repetia:
-Foi um tiro! Não sei da bala, mas foi aqui, foi aqui...
Mainha foi lá na janela, olhou, tudo muito calmo lá fora. Não se ouvia gritos, nem tumultos, tudo muito normal. Por sinal, morávamos num bairro bem tranquilo (Jardim Atlântico, Olinda). Logo minha mãe começou a acalmá-la, tentando mostrar-lhe que não havia nada que comprovasse o suposto "tiro". Conversou com ela e pediu-lhe que fosse comprar o pão, na perspectiva de afastá-la um pouco do ambiente para que pudesse perceber que lá fora tudo corria maravilhosamente bem.
Enquanto isso, mainha começou a organizar a mesa para o jantar. Ao dirigir-se ao fogão, pôde observar que o tão comentado “tiro” tinha saído exatamente de lá, pois o prato que a mesma preparara a massa do cuscuz, amarrado a um pano, não suportara a temperatura e espatifou-se por completo causando o estrondo que a moça assustada havia sentido “ao lado do sofá”. Resultado: o cuscuz estava completamente recheado com pedacinhos de porcelana: Uma iguaria ímpar.
Em seguida, a “sensitiva” voltou da padaria tranquila e mainha resolveu dar continuidade ao papo do tiro:
-Descobri tudo sobre o tiro!
-Tá vendo?! Eu não disse?! Eu tinha certeza que tinha sido um tiro, eu conheço tiro de longe, lá onde eu moro tem tiroteio direto. A minha sorte é que todo mundo lá é meu amigo. Sou muito respeitada, se não fosse isso...
-Ahhh, quer dizer que você conhece tiro de longe? Pois dessa vez, você não conheceu nem de perto! Venha cá para eu lhe mostrar de onde saiu o tiro.
E mainha apontou-lhe o fogão, o cuscuz e o prato.

-Tá, dona Keyla, eu já vi tiro de tudo quanto é jeito, mas essa é a primeira vez que eu vejo um tiro sair de um cuscuz! 

sexta-feira, 24 de junho de 2016

AS CALCINHAS GELADINHAS

Na época da graduação em psicologia, mainha preparava-se para o banho para ir ao estágio no Hospital Ulisses Pernambucano (um hospício!). Ela começou a organizar os apetrechos necessários para seu banho. Ao pegar a sacola que guardava suas calcinhas, voinha lá da cozinha a chamou urgentemente. Sabendo que minha avó é o tipo de pessoa que quer tudo de imediato, correu para atendê-la sem perceber que carregava consigo a bendita sacola das calcinhas.
Ao chegar lá, a cozinheira estava lavando a geladeira e havia tirado todos os alimentos e colocado sobre a mesa. Mainha empolgou-se com a conversa de voinha e soltou a sacola em cima da mesa. Pronto, ela esqueceu completamente em que lugar havia soltado suas calcinhas e dirigiu-se ao banheiro. Notando que faltava essa peça importante para a vestimenta feminina, voltou para o quarto na tentativa de buscá-la e não mais a encontrou. Logo se pôs a procurá-la pela casa inteira. O tempo foi passando, ela já estava em cima da hora e não tinha êxito na sua busca.
Nos mobilizamos com o fato de sabermos que ela estava muito apressada e todos nós começamos a procurar também. Enquanto isso, a cozinheira arrumava tranquilamente a geladeira e colocou dentro dela, sem perceber, as calcinhas de mainha junto com os alimentos que estavam em cima da mesa. Pronto, ninguém mais achou! Por que quem em sã consciência iria imaginar que as calcinhas estivessem dentro da geladeira?   Mainha estressadíssima e voinha vendo sua aflição reclamava pela sua falta de atenção. Minha mãe com raiva foi para o estágio no hospício vestindo uma calcinha de biquíni.
Quando ela retornou do estágio, voinha estava esperando-a muito bem sentada no sofá, com as pernas cruzadas, pronta para “fechar o tempo”. Assim que mainha apontou na porta, ela foi logo perguntando:
-Adivinha onde está a sacola das suas calcinhas?
-Olhe mãe, sei não! Não tenho mais o que imaginar, pois já revirei a casa inteira.
-Mas você não revirou a geladeira.
-Não mãe, deixe de graça, conte outra!
-Então vá lá abrir a geladeira. Fiz questão de deixar lá, do mesmo jeitinho, para você ver.
Quando mainha foi verificar, as danadas das calcinhas estavam lá, geladíssimas!
-Mas como pode? Eu tenho certeza que eu não guardei minhas calcinhas dentro da geladeira.
-Eu também não. – Respondeu voinha.
Depois de um longo e tenebroso inverno, elas associaram que a cozinheira havia guardado no momento que arrumava a geladeira, em virtude de a sacola ter se misturado com as outras dos alimentos.
Voinha, cheia das graças, sugeriu: “Se fosse eu, jogaria tudo fora. Porque com as calcinhas quentes com a temperatura do corpo, já está difícil para arrumar um namorado, imagine só usando calcinhas geladas. Isso vai dar azar!”.
Mainha decidiu não renovar sua exótica coleção de calcinhas e até hoje, solteira, vive a refletir essa questão.


quarta-feira, 22 de junho de 2016

EMOÇÕES EM ESCOMBROS

Eu, visitando o que restou da casa de Ascenso Ferreira.
Em Palmares, Pernambuco, Brasil.
Todas as vezes que vou danada pra Palmares
na tua casa tenho vontade de chegar
uma forte energia me atrai.
Lá te vejo em teus quase dois metros
e mais de cem quilos de pura cultura
usando teu inseparável chapéu de palha.
Te escuto recitando teus poemas
é uma mistura de sensações boas e ruins
poesia e indignação
versos em ruínas
estrofes destruídas
cadências em metralhas
ritmos em entulhos.
Leio teus livros nos pedaços das paredes
da casa lavada pelas águas do Rio Una
com perfume de enchente
e sabão de desprezo.
Bagunça longe de ser arrumada
porque costuraram os olhos.
Sinto raiva de mim
por ser tão pequena assim
e não poder sozinha fazer a faxina necessária
faxina de pedra  sobre pedra.
Ao adentrar os “cômodos”
sinto o aroma do café de dona Maroca
misturado ao forte cheiro do teu charuto
e imagino ter sido escrito nesta casa
um dos teus poemas mais citados
mas dessa “Filosofia”
perdoe-me grande poeta
devo de ti discordar
pois quando estou em meio aos escombros
perco a hora de comer, dormir
e sei que não devo vadiar
muito menos colocar as pernas para o ar.
Devo de alguma maneira trabalhar
para essa tua casa levantar.


(Para o maior poeta palmarense: Ascenso Ferreira)

segunda-feira, 20 de junho de 2016

MACIEL FICOU SURPRESO...

        Depois de alguns anos de ter deixado o passado no passado, o tempo aprontou suas travessuras e trouxe o passado para o meu presente. Em um momento de extrema euforia, pela realização de um projeto engavetado há tempos, decidi que deveria comemorar essa alegria com parentes e amigos. Como Maciel é inquestionavelmente importante em minha vida, decidi convidá-lo.
        Por diversas vezes, peguei o celular antes de conseguir obter a coragem necessária para falar com ele. Um detalhe importante é que eu tinha perdido o celular e não procurei recuperar meu número, simplesmente comprei outro chip e Maciel não tinha noção do meu novo contato. Quando a minha coragem deu o ar da sua graça, liguei.
        -Alô!?
        -Bom dia, Maciel! Será que ainda lembras de mim?
        -Quem fala?
        -Hanna! Aquela que por diversas vezes te negou e que dormiu contigo separada por uma muralha de travesseiros. Lembra?
        -Menina! Quanto tempo, hein? Claro que lembro, você me deixou marcas profundas, sempre lembro de você.
        Fiquei desconfiada. Será que ele lembrava mesmo? Fazia um bom tempo que havíamos perdido o contato.
        -Maciel, tem certeza que lembras mesmo de mim?
        -Quer provas?
         O camarada falou detalhes de conversas que tivemos há anos, fiquei impressionada!
        Ao ter a certeza da lembrança, revelei o real motivo que me fez ligá-lo depois de tanto tempo:
        -O negócio é o seguinte: Passo por um momento de felicidade intensa e preciso ter por perto pessoas especiais para comemorarem comigo. Será algo bem simples, mas eu gostaria muito que você viesse porque você foi e continua sendo muito importante para mim. Posso nutrir dentro de mim a esperança de que você virá?
        -Claro! Marque o dia e me avise com uma certa antecedência para que eu desmarque todos os compromissos da minha agenda. Estou orgulhoso, sabia? Parabéns!
        -Obrigada! Se você não vier, minha felicidade não será completa.
        -Nem pense nisso! Estarei aí. Sim, me fale mais, como está sua vida?
        -Está tudo bem por aqui...
        -Olhe, você me fez um convite, agora chegou o momento de eu fazer o meu. Repito o que sempre falei para você: Quando quiser sair, passear, basta me ligar que eu vou te buscar. Falo assim na amizade, tá? Sei que você me vê apenas como amigo.
        -Eu não sei se você acredita em coincidências, mas amanhã eu estarei bem perto da tua cidade, quer dizer, não tão perto, mas, a distância que nos separa, amanhã estará pela metade. Preciso resolver uma questão por estes lados...
        -Sério? Vou te buscar! Vamos marcar um horário?
        -Chegarei por lá aproximadamente ao meio-dia.
        -Até amanhã, menina.
        -Até!
        Ao meio-dia do dia seguinte, aconteceu o nosso reencontro. Nossos sorrisos se cumprimentaram. Entrei no carro e dei um cheiro nele.
        -Hanna, você continua linda.
        -Você também.
        -Que nada! Os meus cabelos estão cada dia mais brancos.
        -Esses cabelos grisalhos, que ficam cada vez mais brancos me fascinam. Pode ficar certo disso. Não gosto de garotões.
        Um sorriso discreto mas muito confiante surgiu no rosto dele.
        -Menina, você não tem noção pra onde vou te levar. Olha, desde ontem que penso em lugares especiais para te mostrar. Vamos almoçar primeiro em um lugar bem aconchegante e depois vou te levar em uma praia muito bonita.
        Fomos almoçar, escutamos boas músicas, colocamos o papo em dia. Maciel, demonstrava por todo o tempo sentir o mesmo desejo que sentia por mim no passado. Mas ele continuava com todo aquele cuidado comigo, já tinha tido provas mais que suficientes que eu só ficaria com ele se realmente quisesse isso. O que ele não desconfiava, era que dessa vez, eu queria ele. E eu estava bem convicta quanto a isto. Depois do almoço, ele me convidou novamente:
        -Vamos para a praia que te falei?
Um detalhe no mínimo curioso, era que o restaurante se localizava em uma praia. Me questionava: “Se estamos em uma praia, pra quê vamos para outra?”. Mas, lá fomos nós.
Ele me perguntou:
-O que trouxe nessa sua bolsa?
-De tudo um pouco. Carrego na bolsa um kit básico de sobrevivência feminina.
-Tem biquíni?
-Não.
-Você acabou de dizer que tem um kit de sobrevivência aí dentro e não tem um biquíni?
-Mas eu não preciso de um biquíni para sobreviver.
Quando nos aproximávamos da praia, ele foi todo cauteloso me preparando:
-Olha, esta praia que estou te levando não é de nudismo, mas quem vem pra cá, toma banho pelado.
-Como é a história? Não é praia de nudismo, mas o povo toma banho nu? Que coisa mais sem lógica!
-Deixa eu te explicar: É porque ela é uma praia deserta, então as pessoas que a frequentam, se sentem à vontade para ficarem sem roupas de banho. Outra razão para que isto aconteça é porque ela é muito visitada por gringos e eles são famosos por tomarem banho de mar assim, peladões.
Nesse instante avistamos uma pessoa na praia. Maciel me disse:
-Observe aquela mulher lá, já está fazendo topless, daqui a pouco ela tira a calcinha. Tá vendo que ela está sem sutiã?
Dei uma gargalhada daquelas e ele ficou sem entender:
-Você está rindo porque viu uma mulher nua?
-Não, criatura! Estou rindo com a tua besteira. Não é uma mulher, é um homem! Só que ele tem um cabelão bem ao estilo Humberto Gessinger. Faz quanto tempo que você não vai a um oftalmologista, hein?
Sorrindo ele me disse que depois de uma dessas, realmente precisava de uma consulta com urgência. Depois disso, ele direcionou o carro por um caminho de difícil acesso, com muitos matos, espinhos, e ainda falou para o carro (achei o máximo isto!): “Me desculpe meu amigo, hoje você vai ser arranhado, mas esta menina merece conhecer o que tenho para mostrar para ela”.
Praia de São Miguel dos Milagres,
Alagoas, Brasil.
Chegamos. A praia realmente tem uma beleza única, a mais bela que tive o privilégio de conhecer (São Miguel dos Milagres, Alagoas). Sentamos na areia e ficamos filosofando a vida. Acredito intimamente que Maciel não suspeitava o que aconteceria. O papo era inocente, falávamos da vida marinha, da beleza da praia, do pôr do Sol de lá que ele me garantiu que era belíssimo, e que justamente por esta razão tinha me levado lá. Julguei que aquele era o momento de cumprir a minha palavra. Na última vez que estive com Maciel, prometi que se algum dia quisesse namorá-lo, chegaria quando ele menos esperasse e de uma forma surpreendente. Ele estava todo empolgado com a conversa quando eu decidi interrompê-lo:
-Maciel, a hora está avançando, daqui a pouco escurece, vai fazer frio e eu quero tomar um banho de mar antes disso. Vamos?
-Mas você me disse que não trouxe biquíni, sei que você é bem capaz de entrar no mar com essa calça jeans, mas é desconfortável demais. Tem certeza que quer mesmo mergulhar assim?
-Claro que quero mergulhar! É um crime inafiançável conhecer esta praia e não banhar-se nela. Quanto ao biquíni e ao jeans, surgiu uma dúvida: Não foi você mesmo que me falou que nesta praia não se usa nenhum tipo de traje? Pra quê então discutir o modo como vou entrar no mar?
Com a maior naturalidade que se possa imaginar, eu me levantei, fui a caminho do mar e durante o meu trajeto, fui tirando peça por peça da roupa que me vestia e jogando na areia, até ficar sem nada.
Sinto muito, mas não tenho palavras para descrever a cara, a reação, a incredulidade e a surpresa de Maciel. Com muita vontade de rir, mas mantendo a seriedade, olhei pra trás, ele continuava sentado na areia me observando, chamei-o:
-Vem não? Vai me deixar tomar banho sozinha?
Mergulhei, e tenho o fôlego bom até demais. Quando resolvi voltar à superfície, percebi que eu estava numa profundidade que não dava pé e Maciel estava entrando no mar. Chamei-o novamente. Ele me disse:
-Está de sacanagem comigo, né? Você sabe que eu não sei nadar, vai para o fundo e me chama? Acho bom você vir pra junto de mim agora, ou então, mesmo sem saber nadar, farei um esforço de chegar aí, e você corre o risco de ter que me salvar.
Mergulhei de novo e só reapareci bem na frente dele. Eu o beijei.
Fomos para o raso, água na altura dos joelhos. Não havia ninguém além de nós, praia deserta mesmo. Eu o dominei e muito interessante era a reação dele. Ali no mar eu me realizei, alcancei meus objetivos e ao perceber isso, ele me disse:
-Hora de parar tudo! Saia de junto de mim.
-Por quê? Você está cheio de gás ainda.
-Eu sei, mas só vamos poder terminar em casa, saia de junto de mim.
-Mas por quê?
-Olhe pra trás! Tem no mínimo uns dez caras te observando. Eles estão tão cheios de gás quanto eu, sentindo prazer também, só que de maneira solitária. Estão te desejando, estão também morrendo de inveja de mim porque presenciaram toda a tua intensidade. Saia de junto de mim, nossas roupas estão na areia e a única maneira de eles saírem daqui é quando tiverem a certeza que o show acabou. Quando o show acaba, a plateia vai embora. Deixe eles pensarem que tudo acabou e quando eles se forem, te levo pra minha casa, lá não teremos plateia.
Me distanciei e rapidamente os curiosos de plantão foram embora. Maciel pegou minha roupa, me vesti, e fomos pra casa.
Questionei:
-Não tinha ninguém quando chegamos à praia, como foi que rapidamente apareceram tantos homens?
-Certamente foi o carro estacionado que chamou a atenção deles. São nativos. Sabem que carro parado em praia deserta é sinônimo de casal se amando. São tarados, vivem a procurar momentos como este. Outra coisa, eu até os entendo.
-Como assim?
É tão natural um casal se amar na praia, por mais que queiram disfarçar, que os movimentos sejam leves para não chamar a atenção de ninguém, sempre se sabe quando eles estão em um namoro mais íntimo. Mas quando isso acontece, quem está de fora observando, consegue manter a discrição, até olha para o casal, mas não fixa o olhar porque percebe que eles não querem ser notados. Acontece que nós estávamos no raso, completamente nus, e você estava fazendo o excelente uso de uma sensualidade ímpar. Qual é o homem que vendo cenas desse tipo consegue disfarçar o olhar? É impossível! Hanna, você foi perfeita!
-Não precisa vir com discursos masculinos para o meu lado e dizer pra mim tudo aquilo que você diz para outras mulheres.
-E quem disse para você que digo isso para outras? Não discuta comigo, você é deliciosa e quem entende de mulher aqui sou eu. É deliciosa, pronto e acabou-se! E por falar em delícias, vamos terminar o que começamos na praia, eu continuo com gosto de gás!
-Vamos! Mas faremos diferente. Na praia, não te dei muita chance de defesa. Agora, quero que me fale como queres.
-Sim, concordo que na praia você tenha me deixado sem ação, foi muito surpreendente como você conduziu tudo. A partir de hoje, não posso mais te chamar de menina. Eu estava enganado, de menina você não tem nada! Você me mostrou como é intimamente, agora chegou a minha vez, me deixe “trabalhar”.
-Maravilha, vou tentar ficar quietinha, na praia tivemos plateia, aqui, a tua plateia serei eu. Vamos, comece logo! Estou curiosa.
Maciel realmente tem palavra. Não brincou. Na casa dele, na mesma cama que há anos dormimos separados por uma muralha de travesseiros, tempos depois, de tão próximos, fomos um. Naquele momento, diante de toda a sua experiência, me senti uma menina, inexperiente. Com muita frequência, eu pedia:
-Pare!
        -Por que quer que eu pare? Não está gostando?
        -O problema é justamente o inverso disso, estou gostando demais.
        Ele foi muito intenso, por todo o tempo. Me deixou exausta. Quando eu já estava quase dormindo, ele perguntou:
        -Se estava gostando, por que me pediu tantas vezes para que eu parasse?
        -Porque você estava me enlouquecendo de tanto prazer.
        -E você acha isso ruim? Eu estava fazendo o básico dos básicos quando você me suplicava uma parada.
        -O básico dos básicos com muita perfeição. Entenda: Todos os homens fazem as mesmas coisas. A diferença está no modo de fazer essas mesmas coisas. O seu básico é feito de uma maneira deliciosa, muito diferente do básico dos outros. Tentando definir melhor, você fez um “básico-avançado”. Queria que parasse para que o meu momento de prazer pudesse ser prolongado. Você foi tão maravilhoso que posso até não aparentar, mas estou com muita raiva de você.
        -Te dei motivo pra isso?
        -Todos! Você deveria ter tentado, ter me seduzido de alguma maneira naquela noite que dormi contigo entre travesseiros. Se você tivesse sido intenso como foi hoje, não teríamos nos perdido por esses anos.
        -Se eu tentar entender as mulheres, vou acabar doido! Naquela época você quase me bateu porque eu encostei minha boca na tua enquanto você dormia no sofá. E hoje você me fala que eu deveria ter te seduzido? Você foi tão convicta que me queria apenas como amigo, que hoje na praia, se você não tivesse tirado a roupa e me chamado, eu não teria encostado em você.
        -Apenas cumpri minha palavra. Lembra que eu te disse que se algum dia quisesse namorá-lo, chegaria de uma maneira que te surpreenderia?
        -Surpreendeu mesmo. Nunca imaginei que você fosse capaz de tamanha sensualidade. Sempre muito recatada, só usa roupas compostas, aparentemente uma mulher muito tímida, uma dama da sociedade.  
           Dessa maneira nos reencontramos. Intensidade maior que essa, nunca provei. E o tempo que a tudo responde, me provou que Maciel caiu em mim (como um raio), no mesmo lugar duas vezes! E três, quatro... incontáveis vezes! Contradizendo assim o ditado popular, e como cumpridor de palavras: me faz muito feliz!

quarta-feira, 15 de junho de 2016

A EXCEÇÃO DA REGRA



         Eu passava por um momento financeiro e emocional bem difícil. Resolvi mudar de casa, achei que esta atitude iria me fazer bem, precisava de uma mudança também de ares. Quando o caminhão da mudança foi embora, eu estava completamente perdida naquela bagunça interna e externa. Sabendo que eu estava passando por este processo, uma grande amiga, chamada Regina, me ligou:
-Se te conheço bem, sou capaz de apostar que você está quase louca com tanta desordem, não teve como preparar seu almoço e nesse exato momento está com um pacote de biscoito e uma latinha de refrigerante, julgando que isso será sua refeição, correto?
-Tenho que admitir que você ganhou essa aposta.
-Estou largando do trabalho agora, vem andando. Você vai almoçar comigo.
-Graças te dou!
Entre as nossas casas, ficava o trabalho dela. Cheguei lá e fiquei no portão esperando, quando ela vinha ao meu encontro, um homem a fez recuar. Ele conversava com ela e olhava para mim, por repetidas vezes. Quando finalmente Regina conseguiu livrar-se do homem, ela estava com um sorriso estampado no rosto. Desconfiei...
Começou a argumentar:
-Você não sabe...
-Sei sim. Aquele homem mandou algum recado para mim.
-Nunca vi uma criatura com o sexto sentido tão aguçado como você! Parece que lê os pensamentos das pessoas, às vezes tenho medo de você sabia?!
-Ahhhhh, pra cima de mim, Regina? Eu não leio pensamentos, leio olhares. Eu sei o que ele quer.
-Sabe quem é ele?
-Não, mas deve ser algum grandalhão daí, acredito que seja o teu chefe.
-Como sabe?
-Sexto sentido aguçado.
-Sim, ele é meu chefe, o cara nada no dinheiro. Quer saber o melhor? Não demonstra isso, é um cidadão muito humilde, que ajuda a todos. Tem um coração grandioso, assim como o seu. As qualidades de vocês são tão iguais...
-Sim, dona Cupido, já sei o que você quer também.
-O quê?
-Quer me entregar o número do telefone dele.
-Dessa vez você quase acertou. Ele realmente pediu para que eu fizesse isso, mas como te conheço bem, justifiquei o seguinte:
 -Vá com calma, doutor! Ela é diferente, muito diferente das mulheres que o senhor  já conheceu na vida.
-Você está me deixando confuso. O que está querendo me dizer com isso, Regina?
-Que não vou entregar o número do seu telefone porque sei que ela não vai ligar. Sei também que as mulheres se jogam para cima do senhor e, vamos concordar que todo esse dinheirão, é um forte aliado para tamanho assédio, não é mesmo?
-Você está certa! O meu dinheiro me atrapalha nas relações, quando escuto um “eu te amo” desconfio. Esta expressão aparece com muita abundância em minha vida e o amor é o sentimento mais complicado em questão de provas.
-Por estar certa, sei que ela não vai ligar. Sabe o que aconteceu recentemente? O prefeito desta cidade, pagou uma quantia relativamente alta, para descobrir apenas o número do telefone dessa moça. Depois, o próprio amigo que recebeu esse dinheirão para repassar essa informação, comentou isso com ela. Na mesma hora a danada trocou o chip do celular. O prefeito mandou inúmeros recados, prometeu viagens, casa própria, quantias altíssimas. Ela não deu a mínima. Sei que o senhor tem muito mais dinheiro que o prefeito, mas ninguém a compra. Quer mais um detalhe? Ela passa por situação financeira muito difícil. Mesmo assim, ela recusou o assédio do prefeito.
-Preciso conhecer esta mulher. Ela tem um mistério encantador, é realmente diferente das outras que conheci. Já que você está me garantindo que ela não vai me ligar, me dê o número dela, por favor.
-Quer que a coitada troque o chip do telefone novamente?
-Não! Fale apenas que eu a ligarei hoje à tarde, caso ela não queira falar comigo, respeitarei e não voltarei a ligar.
Regina deu o número do meu telefone. Depois disso, passou umas duas horas falando as qualidades do camarada para mim. Realmente, o relato me deixou curiosa, mas mesmo assim, eu tinha lá minhas dúvidas, afinal, ele era o chefe dela...
Como prometido, à tarde ele me ligou, atendi:
-Boa tarde, doutor Maciel!
-Como sabe que sou eu? Você não tem o número do meu telefone!
-Mas conheço o número de todos os meus amigos, esse telefone estranho te denunciou.
-Eu não posso negar que fiquei encantado quando te vi, mas confesso, o que mais me encantou foi o que Regina falou sobre você. É tudo verdade mesmo, ou ela está apenas querendo arrumar uma namorada para mim?
-Não sei o que ela falou sobre mim, mas deve ser verdade, nunca a peguei na mentira. E acredito que Regina não está apenas querendo arrumar uma namorada para você. Quer fazer de mim a sua namorada. Olha, talvez você pense que eu estou te dando um fora, mas não posso conversar contigo agora, estou trabalhando.
-Tudo bem! Posso te ligar à noite?
-Pode.
Nesta mesma tarde, ele me enviou três mensagens e à noite cumpriu sua promessa, ligando para mim. Ele tinha um papo muito interessante, era muito inteligente e confesso que gostava de ouvir o que ele falava. Eu tinha vinte e poucos anos, ele, quarenta e tantos. Passamos um bom tempo nesse lance de ficar conversando por telefone e mensagens. Todos os dias, Regina vinha com novidades sobre ele e sempre ressaltava:
-O homem está doido por você!
-Dizem que a desgraça de um doido é outro doido na porta, né?! Vamos ver no que vai dar tanta loucura junta.
Mas ele tinha muita cautela comigo porque Regina sempre o alertava quanto ao meu modo de agir e pensar. Tinha o cuidado de me ligar com muita frequência e um dia, depois de um longo papo, foi bem imperativo:
-Preciso te conhecer pessoalmente, não aguento mais!
-Defina pra mim esse “não aguento mais”.
-Eu não posso definir. Se eu fizer isso você corre de mim.
-Veja bem, se o “não aguento mais” for um desejo avassalador de me agarrar ao me ver, esqueça. Ainda tenho você como um amigo.
-Mas eu não tenho você como amiga, nunca tive.
-É justamente aí onde mora o perigo. É melhor não me conhecer pessoalmente, poderá decepcionar-se comigo. Não responderei às suas expectativas e isso poderá te frustrar. Acho que não é o momento certo para este encontro acontecer.
-Não posso ficar conversando com você somente por telefone. Vamos combinar uma coisa? É preciso que você confie em mim, venha para minha casa. Mandarei meu motorista te buscar.
-Pra sua casa? Mas não vou mesmo!
-Eu sabia que você iria me responder isso. Não farei nada que você não queira. Do mesmo jeito que meu motorista irá te buscar, farei te levar caso eu ultrapasse qualquer barreira sua, ok?! Confie em mim, não te decepcionarei. Diga que vem, por favor.
-Tudo bem, Maciel, você me convenceu.
Algumas cidades nos separavam. O motorista foi me buscar e durante a viagem me preparou:
-Você vai gostar do doutor Maciel e nem pense que o que falo agora foi ordenado por ele. Ele é um cara bom e seu nome, moça, é mel na boca dele.
Lá chegando, tinha um churrasco me esperando. A casa dele era muito bela, me vi perdida naquela grandiosa construção. Me tratou com muita dignidade, passamos a tarde inteira no terraço, apenas conversando. A distância foi respeitada mesmo! Ele me impressionava com suas atitudes. Eu gostava dele, mas tinha certeza que o seu sentimento por mim era muito maior que o meu simples gostar. Me convidou para jantar, eu recusei. Geralmente os jantares andam de mãos dadas com o romantismo, pensei nisso e para evitar decepções, pedi que me levasse para casa.
-Durma aqui!
-Não!
-Só farei o que você permitir, já te prometi isso.
-Não, o dia foi maravilhoso ao teu lado, pode acreditar nisso, mas eu quero ir embora.
Ele dispensou o motorista e foi me levar.
       O tempo foi passando e as conversas ao telefone passaram a ser cada vez mais demoradas. Um novo convite para ir à casa dele surgiu. Eu queria ir, mas fiquei preocupada:
         -Olhe, da última vez que fui, você queria que eu dormisse aí, sei que este pedido será feito novamente e para não haver decepções, absorva de antemão que não vou dormir com você.
        -Eu já pensei nisso, moça! Já te conheço, não ficaremos a sós. Dessa vez, quero que você venha para que um casal amigo meu te conheça. Falo tanto sobre você que a curiosidade deles está me incomodando. Gostaria que vissem com os próprios olhos que não minto quando falo sobre você. Poderá vir sem medo, embora eu tenha vontade de avançar todos os teus sinais, me comportarei.
            -Sendo assim, tudo bem.
            Novamente, o motorista veio me buscar. Ele não mentiu, realmente o casal estava lá. Quando cheguei, ele estava bebendo, perguntou se eu queria, recusei. Depois de um longo papo ele sugeriu:
            -Vamos tomar um banho de mar?
            -Eu não trouxe biquíni.
            -Isto não é um problema. Compraremos um para você.
            -Não precisa. Se você quer tomar um banho de mar, eu te acompanho até à praia e fico na areia te observando, mas não vou entrar na água.
        -Menina, você é muito esperta. Sei que não é novidade, por isso falo com naturalidade: Tenho um desejo muito grande por você, minha vontade é verdadeiramente te ter em meus braços, mas continuo firme na palavra. Nada farei se você não quiser que seja feito.
            Fomos à praia, ele tomou banho de mar com o amigo dele e eu fiquei conversando com a esposa desse amigo na areia. Por diversas vezes ele sinalizou me chamando para entrar no mar, neguei todas. Quando ele saiu me perguntou:
            -Por que não entrou quando te chamei?
            -E depois eu vestiria que roupa?
         -É, realmente eu não tenho roupas femininas lá em casa, mas isso não é um problema, te compraria algumas.
            Voltamos os quatro para a casa dele. Maciel disse que me levaria para minha casa quando eu quisesse ir. A bebedeira continuou e depois veio a minha preocupação: “E agora? Ele bebeu o dia inteiro e eu não vou ter coragem de voltar para casa com ele dirigindo”. O casal amigo foi embora, e ficamos somente com dois empregados que cuidavam da casa. Eu decidi dormir lá. A notícia que eu passaria a noite por lá foi animadora. Com o anoitecer, o tempo esfriou, saímos do terraço, fomos para a sala e cada um deitou em um sofá. Ficamos a filosofar a vida. Volta e meia, ele iniciava um papo romântico e eu quebrava a linha de raciocínio dele. Quase meia-noite, acabada de cansaço, eu adormeci no sofá. Senti um leve pouso da boca dele na minha, acordei assustada.
            -Desculpa! Eu não resisti. Na verdade eu não queria te acordar, desejei apenas chegar um pouco mais perto de você. Não foi nem um beijo, foi apenas um toque, não precisa ficar brava comigo.
            -Não repita isso!
            -Tudo bem, será difícil, mas eu tentarei. Menina, sei que você está cansada, vá para a cama!
            Eu estava despreocupada quanto a isto porque eu já conhecia a casa e sabia que a mesma tinha muitos quartos. Dormiríamos em quartos separados, obviamente. Falei:
            -Estou cansada, é verdade, mas preciso de um banho antes da cama. Me dê uma toalha, por favor.
            -Claro! Quer um calção meu para dormir mais à vontade?
            -Não precisa, obrigada.
            -Vai dormir de calça jeans?
            -Estou bem, não se preocupe.
           Ele me levou para o quarto dele, ligou o ar, me deu uma toalha e disse:
            -Este é o meu quarto, aquele é o meu banheiro, é o melhor da casa, use-o!
           Tomei meu banho. Ao sair do banheiro, vi uma cena incomum que tenho certeza que vou morrer e não passarei por situação semelhante. Ele estava deitado, só de cueca, mas a cama de casal estava dividida com três enormes travesseiros.
Perguntei:
            -Pra quê isso?
            -Não é assim que você quer? Tem medo de dormir comigo, não tem? Vou te provar que sou um homem de palavra. Nada será feito caso você não queira.
            -Em uma casa que tem essa quantidade absurda de quartos, o que te faz pensar que eu vou dormir com você?
            -Vai sim!
            -De forma alguma!
            -Vai! Entenda uma coisa: este é o melhor quarto da casa e é nele que você vai dormir porque você merece o melhor. Porém, a casa é minha. Você acha justo que eu saia do meu quarto?
            -Não quero que você saia do seu quarto, eu vou sair. Não faz vinte minutos que você tentou me beijar enquanto eu dormia no sofá. Não vou passar a noite na mesma cama que você.
            -Vai!
            Trancou o quarto. Eu comecei a ficar com medo. Pensei: “Pronto! E agora? Que situação difícil! Eu e ele na mesma cama, esse camarada vai me atacar, com certeza! Sem muita alternativa, deitei. Conversamos ainda por um tempo. Falei o seguinte:
-Olha, me acorda cedo, amanhã eu tenho que trabalhar.
-Vai não, fica comigo, por favor!
-Não posso, meu salário será descontado e me fará falta.
-Eu pago pelo seu prejuízo. Fique a semana comigo, eu preciso trabalhar, mas será uma felicidade grande chegar do trabalho e te encontrar aqui.
-Enlouqueceu? Não trouxe roupa e outra coisa, não quero seu dinheiro.
-Você se preocupa com coisas tão pequenas. Amanhã podemos perfeitamente comprar roupas para você, compro o que você quiser e te darei todos os mimos que uma mulher precisa. Depois vamos ao supermercado e você escolhe o que gosta de comer. Enquanto eu estiver trabalhando, você terá o dia inteiro para ir à praia, passear, o motorista estará à sua disposição, não terá que se preocupar em fazer almoço porque tem quem faça para você. Fique comigo, te farei feliz.
-Não! Outro dia eu passo por aqui novamente, não vamos forçar situações, ok? Se eu tiver que ser sua, chegarei de uma maneira que te surpreenderá.
Acabei adormecendo com os três travesseiros entre nós. Quando acordei levei mais um susto com outra cena incomum: ele estava acordado, com o rosto muito próximo ao meu, me observando. Falei:
-Bom dia, né?
-Bom dia, garota linda!
-Você passou no teste que eu julguei mais difícil, devo confessar: julguei que você fosse me atacar durante à madrugada.
-Tive muita vontade, mas eu disse que sou um homem de palavra. Você não é capaz de imaginar o tamanho do desejo que senti. Sabe o que é ter a mulher desejada deitada na sua cama e nada poder fazer? Foi tão difícil administrar isso em mim que eu não consegui dormir.
-Sério?
-Muito sério! Passei a noite inteira só te observando, você é linda dormindo, sabia?!
-Rapaz, já me falaram isso mas eu nunca acreditei.  Nesse estado de quase morte, não devo ser nada encantadora vista assim, por este ângulo. Sim, vamos deixar de papo, que meu trabalho está gritando o meu nome.
-Não vá, por favor!
-Preciso ir.
Por mais que eu gostasse da companhia, eu sabia que não deveria ficar. Alimentaria um fogo que crescia intensamente. O fato de saber que ele passou a noite somente me observando, foi muito perturbador pra mim, porém eu também o perturbava, ele sempre falava:
-Quanto mais você me nega, mais meu desejo por você aumenta. Tenho consciência que tenho muito dinheiro e não falo isso para impressionar, mas para te conscientizar que não preciso fazer esforço algum para que uma mulher fique comigo. Na verdade, elas se jogam, fazem o que quero. Venho te cortejando já faz um bom tempo e nada! Durante todo esse período, você nunca aceitou meus presentes ou pediu dinheiro, e eu sei que você precisa. Nunca vi isso na minha vida. Você é impressionante.
-Vá se acostumando. Nem o dinheiro que eu ganho com o meu suor me encanta, quanto mais o dos outros. Não me apego ao material. Se algum dia eu namorar você, poderá ter a certeza que eu estarei verdadeiramente gostando de ti. Não penso em seu dinheiro, na verdade, nunca pensei. O que me traz até aqui é o teu caráter que é fenomenal. Gosto de estar ao seu lado.
Ele chamou o motorista e ordenou:
-Ela precisa ir embora, mas hoje eu não vou dirigindo. Estou com sono, cansado, não dormi esta noite. Mas, eu vou acompanhar vocês.
Nesse momento, senti vergonha com o que ele falou para o motorista. Os empregados sabiam que eu tinha dormido com ele, logicamente, se passava na cabeça deles que tínhamos passado a noite muito bem acordados, desfrutando de um prazer intenso. Julguei que ele havia falado isso para que o motorista tivesse realmente este tipo de conclusão. Isso me decepcionou. Ao entrarmos no carro, ele dormiu na mesma hora e eu não tinha coragem nem de olhar para a cara do motorista. Ao perceber que ele tinha acordado, falei:
-Bom dia novamente!
-Estou quebrado!
O motorista escutando esse papo e a minha decepção aumentando, com certa aspereza na voz, questionei:
-Tá quebrado por qual motivo, criatura?
-Porque não é nada fácil passar a noite na mesma cama com a mulher que se deseja e no entanto ter três travesseiros atrapalhando qualquer toque com ela. Eu disse que você só ficaria comigo se quisesse. Você não quis e isso tirou o meu sono, o que fez com que eu passasse a noite te observando. Por tal razão, estou quebrado.
Neste momento, o motorista não conseguiu disfarçar o espanto e olhou para mim pelo retrovisor. Ele ficou surpreso com a confissão e eu mais ainda. Qualquer homem na situação de Maciel, deixaria que entendessem o que quisessem e demonstraria que havia passado a noite comigo. Mas o caráter dele era formidável. Não posso jamais negar que ele me tratou por todo o tempo com muito respeito.
Me deixaram no trabalho e partiram. Dias depois eu decidi mudar de cidade e liguei pra ele:
-Maciel, eu vou me mudar, arrumei um novo emprego e não poderia sair da cidade sem comunicar isso para você.
-Quanto tempo você tem por aqui ainda?
-Uma semana.
-Vou te buscar agora!
-Não! Preciso arrumar minha mudança, lembra?
-Não se preocupe com coisa pequena, resolverei isso. A mudança só será capaz de te tirar do sério se você quiser. Caso permitia, mando agora mesmo algumas pessoas para sua casa e elas organizarão tudo. Tire esta semana para descansar, venha para minha casa.
-Poxa Maciel, você não tem jeito mesmo! Muito obrigada, mas eu prefiro me virar sozinha.
-Poderei saber qual será o seu destino?
-Claro, eu irei morar um pouco distante do meu trabalho porque na cidade que vou trabalhar, o aluguel é muito caro e não cabe no meu orçamento.
-Cabe no meu. More onde quiser, escolha a casa e me comunique. Comprarei para você.
-Não faça isso! Eu não iria gostar, pode acreditar nisso.
-Se não quer este presente meu, escolha a casa que pretende alugar, não existe aluguel caro para mim, digo isso porque não é novidade para você. Falta de dinheiro não vai ser um problema na sua vida. Pagarei tudo e além do seu salário, eu te darei mais algum dinheiro para que você possa gastar.
-Não Maciel, sinceramente muito obrigada, mas eu já disse que não quero seu dinheiro. Tenho que andar com as próprias pernas! Entenda, é tão difícil assim absorver isso? Faz um tempão que venho te repetindo a mesma coisa e você continua com suas ideias fixas.
Assim como disse Regina, eu e Maciel combinávamos muito, mas quando o assunto era dinheiro, ele queria que eu aceitasse o que eu julgava inaceitável. Eu fiz a minha mudança, pouco tempo depois foi o meu aniversário, ele me procurou, passeamos por belíssimos lugares (eu até duvidava que estivesse no Brasil, diante de tanta beleza). Mas já na hora de me deixar em casa, ele tentou me beijar contra a minha vontade. Recusei, e com muita decepção ele disse:
-Eu te desejei por todo esse tempo e você sempre negou. Um dia você vai se arrepender de tudo isso, tenho certeza. Eu vou embora, se quiser conversar comigo, passear, viajar, você sabe como me encontrar. Basta me ligar que o motorista vem te buscar. Se não quiser se dar ao trabalho, pegue um táxi, chegando em minha casa, eu pagarei a viagem.
-Maciel, eu sei que você é diferente dos homens que já conheci, mas entenda que eu também sou diferente das mulheres que você teve diante dos olhos. Não abusei da sua boa vontade, nem tampouco do seu dinheiro. Gosto de você, mas não ao ponto de me envolver em um relacionamento amoroso, não ainda. Mas a proposta está no ar, você disse que eu vou me arrepender, caso isso aconteça, te procurarei.
-Eu faria de você a mulher mais feliz dessa vida, sou capaz disso, não pelo fato de ter muito dinheiro, ele não compra tudo como dizem por aí. Você é a prova deste ditado popular, meu dinheiro nunca te comprou. Eu não deixaria o sorriso sair do teu rosto porque o que sinto por você é intraduzível e durante todos os meus anos, te procurei sem saber que de fato você existia.  É extremamente forte o que sinto, mas não consigo mais te olhar sem nem ao menos poder te beijar. Tudo tem limite, cheguei ao meu. O meu desejo é muito grande para controlar, não aguento mais palavras distantes, passeios intocáveis, sentimentos não consumados. Eu quero você e aguardo o dia que me queira.
Me deu um forte abraço e foi embora. Senti uma grande surra da vida naquele momento. Eu fiquei muito confusa, sabia que Maciel estava certo, eu não discordava dele nem por um milésimo de segundo. Ele sentia que eu não queria, então a distância seria mesmo o melhor recurso pois dessa maneira, ele poderia me esquecer.
O tempo passou e me respondeu que Maciel estava certo. Eu entendi que achar outro homem que me respeitasse como ele era como achar a famosa agulha no palheiro. A distância e o silêncio provaram para mim que eu o amava. Na verdade, esse sentimento sempre existiu em mim, desde quando apenas conversávamos ao telefone, mas ele me assustava. A quantidade absurda de dinheiro e bens que Maciel tinha era algo assombroso. Eu sempre me julgava impotente e desprovida das provas que ele me dizia que esperava de outras mulheres que já havia se relacionado.
O meu “te amo” ele nunca ouviu, embora eu o tenha amado. Ele estava certo quando dizia que o dinheiro atrapalhava seus relacionamentos, esta foi a principal razão que me separou dele: sua riqueza material. Tinha uma questão que não saía da minha cabeça, ao me colocar no lugar dele, eu imaginava que muito justo seria se este tipo de julgamento viesse da parte dele: “Ela é jovem, muito mais nova que eu, está comigo apenas pelo meu dinheiro”. Essa possibilidade eu não conseguia descartar e cada vez que ele tentava se aproximar, eu recusava. Acreditava piamente que caso permitisse o romance, sofreria com questionamentos infindáveis relativos ao meu amor por Maciel, na época, simplesmente abri mão.
Peguei o telefone por diversas vezes, mas fui incapaz de ligá-lo. Resolvi deixar o passado no passado. Não tive mais notícias dele, mas uma coisa é certa: realmente ele me faria feliz, essa certeza carrego em mim porque conheci profundamente o caráter fora do normal, carinho, atenção e respeito que Maciel sempre me proporcionou. Sem relacionamento firmado, nem ao menos um beijo dado, ele provou que durante todo o tempo foi o homem que sempre procurei na vida. Esse presente que o dinheiro dele não era capaz de comprar, ele me deu.  Dou a mão à palmatória e confesso: Maciel era diferente, o considero a exceção da regra masculina e concordo que estava coberto de razão, eu me arrependi e até hoje, espero encontrar a falha do ditado popular: Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar.