Eu vivenciei um sonho com os olhos
bem abertos, mais precisamente dentro de uma casa. Tudo começou com um convite
para uma confraternização literária. Esse é o tipo de festa que eu gosto e faço
o possível para não perder. Porém, a festa não seria em minha cidade e eu não
teria transporte para retornar à minha casa. Fui então justificar minha
ausência numa mensagem. Nesse momento, uma surpresa, outro convite:
- Venha! Você dormirá em minha casa.
Será um prazer tê-la comigo!
- Ôba! Sendo assim, pode me esperar.
Chegarei às 19h:00.
E tudo saiu como o combinado. Ao
chegar à cidade do evento, liguei para a pessoa que me convidou, perguntei como
faria para chegar à sua casa, pois eu nunca tinha ido lá. Essa pessoa recebeu
meu telefonema com alegria na voz, perguntou-me onde eu estava e disse que iria
me buscar. Fiquei esperando, ela chegou dois minutinhos depois.
Sempre que recebo um convite para dormir
na casa de alguém, não espero muito quanto à recepção. Sou uma pessoa simples e
idealizo apenas um colchonete, um travesseiro, um lençol, chuveiro, pronto!
Para mim é o bastante. Não tenho o hábito de ficar observando o que tem ou
deixa de ter na casa das pessoas que eu entro, aprendi na infância que isso é
um costume muito feio. Mas não observar a beleza daquela casa foi algo
impossível, porque a minha amiga fez questão de mostrar-me cada pedacinho dela.
Saiu me puxando pelo braço. De antemão, confesso que fiquei encantada com tudo
o que vi e tudo o que me foi relatado com riqueza de detalhe.
Logo na entrada, um belo jardim. Tem uma
palmeira bem incomum que eu observei com cuidado porque gosto muito de árvores.
Um terraço com móveis antigos, rústicos, muito belos. Uma imensa árvore de
Natal na sala, bem ornamentada e brilhante. Voltei meus olhos para ela. Minha
amiga disse logo: “Venha, vou te levar ao seu quarto!”. Era uma suíte, com três
camas, para eu escolher em qual delas dormiria. E na minha cabeça: “Uma suíte?
Três camas? Mas eu só precisava de um colchonetezinho...”
As paredes eram revestidas de
cultura pura. Numa delas, um quadro de outro país que foi pintado à mão, numa
folha seca de uma árvore. Uma perfeição! Um presente de um amigo religioso que
hoje está ao lado do Papa Francisco também estava pendurado na parede. Fotos
antigas. Uma delas, era do avó montado num cavalo e bem ao fundo eu observei
algo que parecia ser um cafezal. Lembrava cena de uma novela de época. Viajei
naquela imagem. Nessas paredes que possuem portais mágicos para outros mundos,
existiam quadros de vários lugares nacionais e internacionais. Artesanatos
indígenas nas paredes de outro cômodo. Porcelanas portuguesas pintadas à mão na
parede do terraço. Na do quintal, uma pintura de uma Santa, feita por uma
artista especial: a neta mais velha. E acredite: uma bela pintura!
Lá no corredor, que geralmente é um
lugar que apenas dá acesso a outros cômodos da casa, eu vi livros do século
passado. Nunca pensei que fosse conhecer um corredor tão culto.
Medalhas,
bilhetes, fotos, histórias, num móvel que só faltava falar. Eu passaria horas
naquele corredor, sem sombra de dúvidas, mas a casa era muito grande e sua dona
estava ansiosa para me mostrar o restante.
Na sala de estar, cristaleiras
repletas de coisas finas. Também havia um móvel com alguns materiais de colecionador.
Minha amiga é colecionadora de dedais, nunca conheci alguém que tenha tido a
ideia de colecionar esse tipo de coisa. Sua coleção está perto de chegar à casa
dos cem. Eu só conhecia o dedal tradicional, aquele de prata, simples. Fiquei
surpresa com a diversidade desse tipo de objeto que ela conseguiu adquirir ao
longo da vida. E o mais interessante é que ela não sabe costurar, ou seja,
nunca precisou de um dedal na vida e tem quase cem deles! Na parede da sala,
além de quadros, um relógio de corda muito bonito. No teto, lustres finíssimos.
A cozinha tem tudo que uma boa dona
de casa precisa para fazer um belo banquete, sei que nunca terei uma cozinha
semelhante porque odeio cozinhar. Mas dava gosto de olhar cada detalhe daquele
ambiente. Tinha uma escada que dava acesso ao primeiro andar. Fui avisada: Lá
em cima temos a biblioteca do meu marido e o nosso quarto. Nesse momento bateu
uma tristeza rápida. Para muitos, a cozinha é o coração de uma casa, para mim
não! A biblioteca é o coração da casa e como ela estava localizada perto do
quarto dos donos daquele lar, acreditei que eu não seria levada lá. É uma
intimidade muito grande para uma visita de primeira viagem. Mas para a minha
surpresa, fui convidada a conhecer mais esses dois cômodos.
Subimos! Meu Deus, que biblioteca! Meus
olhos ficaram confusos, não sabiam para onde olhavam primeiro. Uma estante com
muitos livros criteriosamente organizados, ela me garantiu que se alguém tirar
algum livro dali, o marido sente falta rapidamente. Outro móvel que serve como
organizador de pastas. Duas mesas, uma delas com um computador, na outra, a
foto da mulher amada. Um lugar de paz, sonho de qualquer escritor. Quando eu
desci, parabenizei ao marido da minha amiga e ele me deu um sorriso tímido
quando eu falei:
- Sua casa é encantadora, aqui se
respira cultura, mas o cômodo que eu mais gostei foi o da sua biblioteca. Que
perfeição! Eu não tenho casa própria ainda, mas eu cometo a ousadia de pedir
permissão para voltar aqui assim que eu puder construir a minha casa. É
exatamente uma biblioteca daquela que eu preciso para mim. Venho fotografá-la!
- Fique à vontade, minha filha.
Ele é um sujeito recatado, que fala
pouco e em tom de calmaria, mas quando resolve falar só diz maravilhas. A sabedoria
dele sai até pelo olhar. Homem culto e finíssimo. Que família linda. Conheci
uma das filhas e duas netas, entre elas, uma menina de apenas três meses, me
recepcionaram muitíssimo bem. A netinha nem chorava, ela era parte da paz
daquela casa. Olhava para mim e me presenteava constantemente com o belo
sorriso sem dentes tão típico da idade.
No quarto do casal, uma varanda que
permitia à vista para o apaixonante jardim com a palmeira que eu tanto admirei.
Ah, uma biblioteca não basta para um casal culto. Na casa tem a biblioteca do
marido e outra que é da esposa. Mais outra infinidade de livros. Fiquei louca!
Eu adoro isso.
Enquanto ela me mostrava sua casa, as
bibliotecas, as paredes cultas, o corredor intelectual, ela me disse:
- Voltei da feira nesse instante, nem
arrumei minhas compras ainda.
- Não se preocupe, eu a ajudarei nessa
tarefa.
Essa
doce senhora nem parecia estar preocupada com a feira que tinha para organizar,
pois estava calmamente declamando para mim um de seus poemas. Quanta honra! Uma
casa que respira também poesia. E ainda me perguntou se eu tinha gostado...
Arrumamos a feira e logo em seguida
fomos nos organizar para prestigiarmos o evento que me levou a conhecer essa
casa. Fomos. A noite foi maravilhosa, poesia pura. Papo de gente inteligente.
Eu aproveitei tudo daquele momento. Voltamos para casa quase duas horas da
madrugada. Pensei que iria dormir, mas a minha atenciosa amiga apontou para uma
lâmpada, daquelas de cabeceira e me disse: “Coloquei-a aí caso você queira ler
algo antes de dormir”. Mais uma vez fui surpreendida naquela recepção calorosa:
“Espere um pouco, tenho algo para você!”. Ela me trouxe um livro de sua
autoria, sentou na cama ao lado e começou a relatar o escrito como uma
verdadeira contadora de histórias. Isso me levou à minha infância, quando minha
mãe contava algumas histórias para mim, sempre antes de dormir. Pensei: “Que
privilégio, conseguir reviver os tempos de criança aos 34 anos de idade”.
Contou-me com entusiasmo “As lendas de
Igarapeba” e eu fiquei imaginando como seria o “Homem das canelas grandes”.
Seria ele assustador para as crianças igarapebenses? E a “Pedra que ronca”?
Será que ela ronca mesmo? Fiquei com vontade de conhecer tudo! Arrependi-me
porque não registrei o momento que ela me contava essas histórias com uma
fotografia, mas depois me perdoei: “Ninguém consegue fotografar sonhos e o que
eu estava vivendo naquele momento mágico era parte de um sonho”. Depois das
histórias, tomei banho e fui dormir. Geralmente estranho a cama dos outros, o
sono demora para me vencer, mas lá eu caí como “uma pedra que ronca!”
Acordei cedinho, a mesa do café já
estava posta e logo após eu voltei para minha casa. Durante minha viagem de
volta fiquei pensando na receptividade tão maravilhosa, naquela família tão
incrível, na cultura das paredes, na sabedoria do corredor... O sonho que tive
acordada foi lá na casa da amiga, poetisa e imortal da Academia Palmarense de Letras,
Socorro Duran.
É o tipo de casa que sempre idealizei
para mim. Tudo que eu vivi ali parecia um sonho. Mas, era um sonho de casa, ou
a casa do sonho? Será que nesse caso a ordem das parcelas altera o produto?
Acredito que não. A casa de dona Socorro Duran é mais uma prova que a Matemática
é realmente uma ciência exata. Ou seja, é a casa dos sonhos e ela promove sonhos.
Obs: Texto escrito em 17 de dezembro de 2015.