Meus
pais idealizaram passar uma “romântica” lua de mel no Rio de Janeiro. Uma parte
da minha família paterna mora por lá, então ficou decidido que eles não teriam
despesas com hotel. Carmem, uma prima nossa, fez a seguinte proposta para meu
pai:
-Fred,
vocês poderiam ficar naquele meu apartamento que está desocupado.
Esse
apartamento tem uma história que não pode passar em branco. Minha prima morava
nele e certa noite seus filhos quando se preparavam para dormir, observaram
uma pequena faísca que saía da instalação da lâmpada do quarto. Em fração de
segundos, o apartamento pegou fogo. Os bombeiros chegaram imediatamente ao
local, mas não conseguiram controlar as chamas. Foi tudo muito rápido. Esse
incêndio ficou famoso na época, foi noticiado em rádios e jornais, porque em
meio a essa destruição, quase tudo no apartamento havia sido queimado, menos a
Bíblia.
Depois
do incêndio, nossa prima foi morar em outro apartamento e refez sua vida por
lá. O apartamento incendiado foi lavado, porém precisava passar por uma
pintura, suas paredes eram puro carvão. Mas foi justamente para lá que meus
pais foram passar a tão sonhada lua de mel: nesse “apartamento assustador”.
Carmem disse o seguinte:
-Já que vieram passar a
lua de mel aqui no Rio, nada mais justo que comemoremos com uma festa de
casamento aqui também.
Ela resolveu improvisar esta
festa para eles. Carmem era viúva de um alpinista e ainda tinha guardado o seu
vestido de noiva. Mandou para a lavanderia e o mesmo voltou novo! Mas tinha um
detalhe que não passava despercebido por ninguém: o vestido era roxo! Como era
de se imaginar, o sapato, idem. O vestido serviu perfeitamente em minha mãe,
mas o sapato, não. Então ela teve que usar o próprio sapato que era vermelho.
Veja que "combinação": vestido de noiva roxo com salto alto vermelho. A roupa que
o alpinista usou no casamento (que também era roxa, obviamente), não serviu no
meu pai. Mas como essa festa tinha que sair, ele usou sua camisa amarela com
bolinhas pretas e calça jeans.
E o fotógrafo? Tinha que ter
um para registrar todo esse “desfile de moda”, não é mesmo? Segundo Carmem,
isso era o mínimo, ela organizou tudo! Chamou um amigo que chegou ao evento com
uma máquina extremamente potente de fotografar amebas (ele era fotógrafo de
laboratórios)! Doces e salgados foram encomendados e após a festa, o casal 20
passeava naturalmente pelos principais pontos turísticos do Rio de Janeiro,
ainda com os trajes do casamento. Foram a sensação do Rio naquela noite,
acredito que chamaram mais atenção que Elke Maravilha e o cantor Falcão juntos.
As pessoas na rua não somente olhavam, como pediam para tirarem fotos com meus
pais. E o pior é que eles aceitavam (ainda bem que naquela época não haviam
inventado o Facebook).
Depois da comemoração, foram
para o apartamento para enfim desfrutarem a “lua de mel incendiada”.
No outro dia, Carmem muito
receptiva, convidou meus pais para conhecerem a famosa “Casa do Samba”. Eles
aceitaram. A Casa do Samba era como uma boate de luxo e tinham alguns shows, algo muito chique mesmo. Ao chegarem lá, Carmem tentou advertir minha mãe:
-Keyla, é melhor você ficar
com Fred ali no canto da parede, porque quando as sambistas começarem seus
shows, elas praticamente atacam os homens e os puxam para dançar de uma maneira
que eles não conseguem se esquivar.
Minha mãe achou que aquilo
fosse uma “piadinha” de Carmem e deixou meu pai lá todo soltinho...
Um “detalhe” interessante,
foi que meus pais estavam justamente sentados próximos à escada que as mulatas
desceriam sambando. Com pouco tempo, a batucada começou e as dançarinas
começaram a descer a escada completamente nuas! A única coisa que cobriam seus
corpos eram uns brilhinhos, algo muito parecido com a caracterização da famosa
“Globeleza”. Segundo minha mãe, era cada mulherão...
Meu pai, coitado, tentava disfarçar
os olhares, mas ele estava bem no alvo das dançarinas. Sentado estava, sentado
permaneceu. Não demorou para uma bela mulata vir se esfregar nele. Com o
perdão da palavra, ela sambava requebrando a bunda nos ombros dele, e naquele
momento, acredito que ele sentiu na pele o que sente um bipolar: estava feliz
com o show de samba da mulata visto tão de perto e ao mesmo tempo triste com os
beliscões que minha mãe dava nele. A mulata o chamou para dançar, ele ficou
naquela indecisão...
Tudo indica que os beliscões
foram mais fortes que a vontade de aceitar o convite da mulata, porque da
cadeira ele não se levantou. Com a recusa de meu pai, a mulata com muita
naturalidade, sentou-se no colo dele e continuou dançando. Imagino a cara de
“satisfação” da minha mãe e a “bipolaridade” do meu pai. Os beliscões
intensificaram-se.
Quando uma mulata se engraçava
de algum homem, o fotógrafo da Casa do Samba, automaticamente disparava
incontáveis flashes e em pouquíssimo tempo já estavam com as fotos prontinhas para
venderem ao cliente (nesse caso, meu pai). Minha mãe, nada satisfeita,
perguntou:
-Fred, você vai comprar
isso?
Com um sorriso pra lá de
amarelo, ele argumentava:
-É, né...?! O fotógrafo vive
disso, não é mesmo, Keyla? Não posso fazer essa
desfeita com o coitado...
Comprou! Ainda não sei como
ele teve tamanha coragem, porque nessa época ele já conhecia bem a minha mãe.
Quando eles voltaram para o apartamento incendiado, minha mãe, bastante
enfurecida e cheia de argumentos bombásticos,“botou fogo” no apartamento pela
segunda vez! Ele falava:
-Não acredito que você está
com raiva só por causa dessa besteirinha!
-Besteirinha? Você ficou
zarolho olhando para a bunda da sambista, achou pouco, comprou a foto e ainda
trouxe pra casa! Faz uma desfeita desse tamanho na nossa lua de mel e ainda vem
me dizer que tudo isso é uma besteirinha?
-Tá bom! Eu vou rasgar essa
foto para acabar com esta confusão!
Mas ele foi muito cauteloso
no exercício dessa tarefa: rasgou de uma maneira bem demorada. Depois que a
foto estava toda picotada, ele pegou todo aquele monte de pedacinhos e mostrou
à minha mãe justificando-se:
-Pronto Keyla, rasguei a
foto! Agora você não tem mais razão para discutir comigo.
Tudo ficaria bem se não
fosse por um detalhe...
Quando minha mãe pegou a
foto toda picotada, de imediato percebeu que a bunda da sambista estava
intacta! Sem nenhum recorte, essa imagem ele preservou.
Minha mãe botou fogo no
apartamento pela terceira vez e adeus lua de mel!
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