quarta-feira, 4 de maio de 2016

A INFALÍVEL CHANTAGEM DA BLUSA DE LACINHO

         Eu tinha uma blusa muito sexy, ela era o sonho das minhas amigas e provocava nos homens os desejos mais absurdos. Tentarei descrevê-la: tinha pouco pano, a barriga e os ombros ficavam completamente nus. Nas costas havia apenas um lacinho, bem tentador por sinal. Um dia desses, eu estava de bobeira em casa, quando meu telefone tocou, era uma amiga das antigas e já fazia um tempo considerável que não nos víamos. Ela veio cheia de argumentos, querendo me convencer:
          -Estou indo para a tua terrinha, vamos sair?
          -Sair? Qual será o destino?
-Uma festa!
-Quem vai?
-Eu e meu noivo, meu irmão e a noiva.
Demorei um pouco para dar a resposta, depois falei:
-Ah, que situação mais linda! Só faltou você me dizer o seguinte: “Somos dois casais e você será o nosso castiçal!”. Vou não! E tem mais: não sou chegada a festa de rua, prefiro um lance mais privado.
Acontece que esse quarteto me queria na festa e passaram o dia me telefonando. Usaram todo o tipo de chantagem possível e imaginável, argumentaram que eu não seria a vela da noite, que me respeitariam, não ficariam com agarrações na minha frente e coisa e tal... e tal e coisa (como diria Rita Lee). Eu só sei que conseguiram me convencer. Como fazia um bom tempo que eu não saía de casa, caprichei na produção, fiz uma maquiagem legal, dei um grau no cabelo e achei de colocar a sexy blusa de lacinho. Ao atravessar a sala da minha casa, minha irmã me alfinetou:
-Vai nua para a festa?
-Ora, quanto exagero!
-Sei não, viu?! Você vai chamar a atenção de homem, mulher, menino e cachorro.
-Dispenso tamanha atenção! Você é muito exagerada, até parece Cazuza falando.
-Tá bom! Se não trocar a blusa, será atacada no meio da rua. Não te digo mais nada...
-Duvido muito! Tchauzinho!
E lá fui eu rumo à festa. Na minha caminhada, percebi uns olhares “estranhos”, pensei em voltar pra casa e trocar a blusa, mas eu estava em cima da hora. Cheguei na festa e o quarteto que me esperava, antes mesmo do boa noite, começou a me provocar. Uma das amigas falou:
-Esqueceu a blusa em casa?
A outra respondeu:
-Não! Ela resolveu vir com o sutiã do biquíni!
Comecei a minha defesa:
-Meninas, por favor! Já basta o sermão da minha irmã.
As amigas olharam um pouco mais para a blusa e começaram a mudar de opinião:
-Ei, eu quero esta blusa emprestada! Vou mandar uma costureira fazer uma igualzinha pra mim...
O noivo começou a sair do sério: “Não senhora! Não deixo você usar uma blusa dessas!”.
Depois de um tempo, a blusa deixou de ser o centro das atenções e começamos a curtir a festa. Comecei a exercer o meu papel de castiçal (como já havia imaginado). Eles se beijavam e eu beijava romanticamente uma latinha de refrigerante. Começaram a dançar. Minhas velas eram poucas para tanto romance. Me sugeriram:
-Por que você não dança?
-Ah, vocês sabem que eu não danço em público.
          Sou cismada com esse assunto. Quando começo a dançar, as pessoas começam a olhar e eu fico com uma dúvida cruel: “Será que estou arrasando ou palhaçando?”. Na dúvida é melhor não ultrapassar. Fiquei quietinha, bem quietinha mesmo. O papo fluía bem entre os amigos e eu desempenhava meu papel de castiçal com maestria. De repente, senti aquele puxavante brusco no meu braço direito, foi um lance tão estratégico que até hoje fico sem entender como foi aquilo. Eu só sei que rodei como num passo de tango e rapidamente estava imobilizada. O parceiro do tango me beijou! A vontade inicial foi de dar um soco, mas meus braços não podiam se mover. O segundo pensamento foi dar uma mordida, mas não pude. Não era um menino, era um homem e um daqueles bem experientes, foi um beijão!
Quando o beijo acabou, olhei para ele e arquitetei uma bronca daquelas, mas olhei direitinho...
O camarada era um deus grego! Eu sei que beleza não põe mesa, mas abriu o meu apetite. Com medo de ser nocauteado, continuou me imobilizando e falou:
-Não reclame! Eu sei que você gostou!
-Quanta ousadia! Você me rouba um beijo e ainda sai com uma dessas?
-Mas eu sei que você gostou! Eu imobilizei seus braços, mas a sua boca estava livre e correspondeu tão bem aos meus estímulos...
-Mas eu não gostei! Sabe por quê? Porque você tomou o que era meu sem permissão. Então, por direito, posso pegar de volta.
 Dei um beijão nele!
Ele sorriu, e só então sentiu-se seguro para me soltar. Disse:
-Fique aí! Eu volto já, vou sair apenas para pegar uma cerveja.
Olhei espantada para o meu quarteto amigo, que me olhava com igual espanto e falei:
-Vocês viram isso?
As meninas soltaram os noivos e cochicharam ao meu ouvido coisas do tipo:
-Menina de sorte! Que homem lindo!
-Ah e vocês não sabem: Que beijo!
Pensei até que ele não fosse voltar, mas em pouco tempo o danado estava de volta e sussurrando, me disse:
-Voltei!
-Percebi. Sim, já que você tomou a ousadia de me beijar, será que poderia ao menos me falar seu nome?
Nos apresentamos. Continuei o papo:
-Outra coisa: De que planeta você caiu? Eu tenho certeza que da minha terrinha você não é.
-Realmente não sou daqui, mas não moro longe, sou do planeta Terra.
-Mais uma coisa: Custava nada você vir falar comigo da maneira tradicional, vir me conhecer civilizadamente, perguntar meu nome e coisa e tal...?
-Menina, você teve sorte de eu ter apenas te roubado um beijo, porque a minha vontade era de puxar este lacinho para poder ver a única parte do teu corpo que sua blusa está escondendo.
-E você teve sorte porque teu beijo te salvou. Se você não beijasse tão bem, teria levado um murro bem certeiro. Mas se você tivesse puxado o meu lacinho, a reação para tua ação seria uma voadora, seguida de uma gravata, até você cair desmaiado.
Depois de toda essa “carinhosa apresentação” passamos uma noite inteira de roubos e devoluções. Nessa mesma noite, ele pegou em minha mão e saiu me arrastando.
-Vamos para onde?
-Vou te apresentar à minha família. Você me disse que prefere as coisas tradicionais, não foi? Eu quero que você seja minha namorada, então vou te apresentar a minha família, agora!
Com essa determinação tamanha, começamos a namorar. Na hora da despedida, ele me fez mais um pedido:
-Veja bem, eu já disse que não sou da sua terrinha. Preciso voltar para minha casa. Só poderei voltar pra cá no fim de semana e amanhã não estarei na festa. Seria pedir muito que você guardasse sua blusa de lacinho para usar somente comigo?
Respondi cantarolando Caetano Veloso: “Então tá combinado, é quase nada...”
Nos fins de semana, ele sempre estava na minha terrinha, mas durante a semana ele me surpreendia com telefonemas no meio da madrugada. Eu me fazia de doida e atendia aos telefonemas com uma seriedade incrível:
-Aconteceu alguma emergência para você me ligar uma hora dessas?
-Sim! Eu estou morrendo de saudades de você!
-Ah, isso é bom! Pegue o carro e venha pra cá.
-Não posso! Vou trabalhar amanhã cedinho...
-Então me ligou pra quê?
-Vamos namorar?
-Surtou? Já sou sua namorada, esqueceu disso, foi?!
-Não esqueci, eu sei que você é minha, mas eu quero namorar por telefone, agora!
-Sei...
-Vamos?!
-Quer começar por onde?
-Comece você, te dou esta honra.
Eu comecei a colocar a criatividade para funcionar, falei um montão de coisas, sempre tive a imaginação muito fértil. Mas ele estava tão caladinho que por um momento achei que a ligação tivesse caído:
-Alôôôô?! Alguém por aí?
Quase sem voz e bem pausadamente, ele falou:
-Estou aqui, te escutando, continue! Eu estou quase lá...
-Como? Você está quase lá? Mas eu não quero que você chegue lá, quero que chegue aqui, bem juntinho a mim, para chegarmos juntos. Então, meu lindo, tenho que te informar: Câmbio e desligo!
Desliguei. O camarada insistiu, insistiu, insistiu, até cansar. Resolveu utilizar um último recurso: Passou uma mensagem para meu celular que dizia assim: “Minha linda, você já alcançou o seu objetivo, já me deixou louco, estou fissurado em você, mas não me deixe nessa situação! Eu prometo que chego aí na sexta, saio do trabalho direto para sua casa, faço o que você quiser, mas atenda esse telefone, por favor!”
Resolvi dar uma colher-de-chá e atendi com a mesma naturalidade que atendi da primeira vez:
-Em que posso ser útil?
-Minha linda, eu estou doido! Termine o que começou, por favor...
Dei continuidade à minha imaginação. Quando eu percebia que ele estava quase “chegando lá”, eu saía com uma piada, ele caía na gargalhada e algumas vezes, bastante incrédulo, ele perguntava:
-Você teria coragem mesmo?
-Não aposte porque eu ganho!
O nosso namoro era assim bem criativo, as vezes eu pensava que ia colocá-lo na parede, mas ele acabava me colocando. Eu buscava revanche e quando ele achava que estava ganhando eu dava um xeque-mate muito bem dado.  Quando a saudade batia, confesso que pegava pesado. Eu ligava no meio da semana e falava naturalmente:
-Meu lindo, vai ter uma festinha por aqui, vamos?
-Não posso, vou trabalhar cedinho.
-Que pena! Eu já estou pronta, com blusa de lacinho e tudo o mais...
Ele enlouquecia:
-Isso é golpe baixo! Você sozinha na festa já é um perigo grande. Acha pouco e veste a minha blusa de lacinho?
-Sua blusa? Pensei que a blusa fosse minha! Não consigo imaginar um homem com quase dois metros de altura vestido com uma blusa de lacinho.
-Deixe de onda! Nós combinamos que você só usaria esta blusa comigo!
-Pois bem, eu vesti para sair com você, estou te chamando, isto prova que eu me vesti para você. Se não quiser que eu saia sozinha, pegue o carro e venha!
Eu estava apenas brincando com o desejo dele. Não havia festa e eu não estava arrumada. Me surpreendi quando o vi passando pelo meu portão, não imaginava que viesse, ele realmente tinha que trabalhar bem cedinho. Mas eu gostei! Eu estava deitada na rede, me levantei, marquei carreira e pulei no pescoço dele. Eu o deixei confuso, ficou sem saber se reclamava ou me beijava. Depois do beijo ele disse:
-Sua maluca! Como é que você me faz uma chantagem desse tamanho?
-Mas eu estava brincando! Eu pensei que você não viesse.
-Eu fiquei imaginando você sem mim na festa, com a blusa de lacinho, totalmente indefesa, um montão de homens fortes, que poderiam usar a minha tática...
-Criatura, outro homem não roubaria um beijo meu porque eu não deixaria. Eu sou tua, somente tua, com ou sem blusa de lacinho. Outra coisa, não sou indefesa, já me esquivei de vários beijos. Contigo foi diferente porque você domina esta técnica e acabou sendo a exceção das minhas regras.
Em um abraço apertado (essa era a característica marcante dele), me perguntou:
-Minha linda, cadê sua blusa de lacinho?
-Pra quê?
-Saudades dela.
-Me decepcionei agora. Eu pensei que você estivesse com saudades de mim.
-Sinto saudades das duas.
Quando eu dei a blusa pra ele, a surpresa: ele a trancou no carro! Questionei:
-Que mutreta é essa?
-Seguro morreu de velho! É muito melhor prevenir do que remediar. Você sozinha já é um perigo e com esta blusa, é irresistível. Devo cuidar do que é meu. Só te devolvo a blusa se algum dia nosso namoro acabar, enquanto isso, eu faço questão de tomar conta dela.
A partir do momento que ele ficou com a minha blusa, eu não pude mais fazer a “infalível chantagem da blusa de lacinho” e perdi um pouco do meu charme...
A distância acabou com o nosso namoro, mas a amizade impera até hoje e sempre que conversamos, pergunto:
-Cadê a minha blusa?
-Está comigo, muito bem guardada e não te devolvo. Ainda tenho esperanças de retomarmos o nosso romance. Tenho plena consciência que caso eu te devolva e você resolva usá-la, te perco de vez! Já que não posso ter as duas, fico com a blusa. Vocês duas são privilégios meus. Outro homem não terá o prestígio de te ver vestida nela. 

A blusa de lacinho entrou para a minha história e esta foi a primeira e única vez que tive uma blusa roubada por um namorado.

5 comentários:

  1. Minha nobre poetisa e escritora, ainda estou recurando o fôlego. Que cadência, que ritmo. O infeliz não devolveu a blusa, nem você foi busca-la quando tudo em mim já ua chegando lá. Gostei! Abraços!

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  2. QUIS ESCREVER RECUPERANDO O FÔLEGO
    JÁ IA CHEGANDO

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  3. QUIS ESCREVER RECUPERANDO O FÔLEGO
    JÁ IA CHEGANDO

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  4. Minha nobre poetisa e escritora, ainda estou recurando o fôlego. Que cadência, que ritmo. O infeliz não devolveu a blusa, nem você foi busca-la quando tudo em mim já ua chegando lá. Gostei! Abraços!

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    1. Muito Obrigada, nobre amigo e poeta. Fico feliz que tenha gostado. Dedicarei para você então, o outro conto que é justamente a continuação deste: "E quando não se tem mais a blusa de lacinho?"
      Um abraço cordial.

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